terça-feira, 24 de março de 2009

As cooperativas de trabalho e o Direito do Trabalho

Extraído de: Expresso da Notícia - 01 de Fevereiro de 2002
Muitas empresas nos dias atuais têm procurado nas cooperativas de trabalho a solução para terceirizar algumas atividades, buscando, dentre outros motivos, reduzir o custo final do produto, de modo a manter a competitividade cada vez mais difícil na economia globalizada. O desemprego e a informalidade são males que se procuram resolver com a formação das cooperativas de trabalho, na medida em que as pessoas com dificuldades para conseguir uma colocação no mercado de trabalho, se associam a uma cooperativa para, conjugando esforços, prestar serviços a outras empresas.
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A Constituição Federal estimula a formação das sociedades cooperativas, no art. 5º, inciso XVIII e no art. 174, § 2º, sendo que as sociedades cooperativas estão regulamentadas na Lei 5.764/71 que define a política nacional de cooperativismo e regula o regime jurídico de tais sociedades.
Para o Direito do Trabalho o tema passou a merecer maior atenção, com a promulgação da lei n.º 8.949/94 que introduziu o parágrafo único ao art. 442 da CLT, que tem a seguinte redação:
"Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela."
No entanto, a prestação de serviços através das sociedades cooperativas pode gerar, no caso das cooperativas ilícitas, o vínculo de emprego entre o prestador dos serviços ("associado" da cooperativa) e o tomador dos serviços. Trata-se de, diante de um caso concreto, aplicar os princípios e normas que norteiam o Direito do Trabalho, verificando em cada caso, se estão presentes os requisitos da relação de emprego.
A aplicação do parágrafo único do artigo 442 da CLT sucumbe ao princípio da primazia da realidade sobre a forma e ainda diante do que dispõe o artigo 9º. da CLT, que reza: "serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente consolidação."
Se uma cooperativa, mesmo tendo sido regularmente constituída como tal, não atender aos princípios basilares do cooperativismo expressos na Lei 5.764/71, principalmente o objetivo de atender aos interesses dos associados, mas funcionar apenas como intermediária de mão-de-obra, poderá ser considerada uma cooperativa ilícita, e a conseqüente caracterização relação de emprego entre o prestador e o tomador dos serviços.
Para tanto, será verificado diante de um caso concreto, a presença dos requisitos da relação de emprego que são: a pessoalidade, a subordinação, a não-eventualidade e o pagamento de salário, que são os requisitos previstos no art. 3º., da CLT.
O Poder Executivo com o fito de coibir as atividades das cooperativas ilícitas, ou seja, aquelas criadas apenas para fraudar a relação de emprego e consequentemente os direitos trabalhistas, editou a Portaria n.º 925 de 28/09/95 do Ministério do Trabalho, que prescreve, dentre outras normas, no seu artigo 1º., que: "o agente da Inspeção do Trabalho, quando da fiscalização na empresa tomadora de serviços de sociedade cooperativa, no meio urbano ou rural procederá ao levantamento físico objetivando detectar a existência dos requisitos da relação de emprego entre a empresa tomadora e os cooperados nos termos do art. 3º. da CLT".
Quando provocado para solucionar questões onde se discute a existência de relação de emprego entre prestador e tomador de serviços, o Poder Judiciário, diante da existência de fraude, tem declarado o vínculo de emprego, conforme exemplificado nas ementas abaixo transcritas:
"Relação de emprego. Cooperativa. O parágrafo único do art. 442 da CLT com a redação da lei 8.949/94, não exclui a aplicação do art. 3º. Da CLT. Provados os elementos constitutivos do vínculo empregatício com a empresa tomadora de mão-de-obra fornecida pela cooperativa, estabelece-se o vínculo com a primeira, sendo irrelevante a mera formalidade da associação. (TRT-2ª Reg. RO 02980257529, Rel. Juiz Fernando Sampaio)."
"Cooperativas de trabalho. Vínculo de emprego. A recente inclusão do parágrafo único no artigo 442 da CLT não autoriza inobservância à regra de sobredireito emanada do artigo 9º da mesma Carta Celetista sempre que se verificar fraude às garantias trabalhistas e sociais asseguradas nos ordenamentos legal e constitucional vigentes. Conquanto induvidosamente as cooperativas de trabalho constituam mais uma opção para o enfrentamento da grave crise que assola o mercado de trabalho, não há permitir que essa novel modalidade de trabalho seja utilizada como mecanismo de exploração de mão-de-obra ...." (TRT-4ª Reg.-1ª T., RO N. 96005379-4, Rel. Juiz Milton Varella Dutra)"
"Relação de emprego -Cooperativa -Descaracteriza suposta relação societária com cooperativa e enseja o reconhecimento do vínculo empregatício a prestação de serviços com subordinação e o não recebimento de honorários ou gratificação, eis que o pagamento de salários por horas trabalhadas e a dispensa imotivada por parte de contrato de emprego. A regra do art. 442, parágrafo, único da CLT cede quando evidenciada a fraude. (TRT 3ª Reg.. Ac 8.265/96. 4ª T. Rel. Juíza Deoclecia Amorelli Dias)."
Concluindo, denota-se que as cooperativas são sociedades de pessoas sendo que os fundamentos do cooperativismo são a solidariedade e a ajuda entre as pessoas, que buscam com o resultado do trabalho o bem comum.
Na atual conjuntura sócio-econômica onde a sociedade convive com o desemprego e a informalidade, as cooperativas de trabalho devem ser encaradas como uma forma de combater estes males. Para determinadas atividades as cooperativas podem ser uma forma de terceirização. A legislação brasileira privilegia a formação das cooperativas sendo que esta prática deve ser cada vez mais incentivada, seguindo o que ocorre em diversos países europeus.
No entanto, se verificado que a cooperativa, de fato, não segue os princípios da Lei 5.764/71, mas que tem como objetivo apenas fraudar direitos trabalhistas, a Justiça do Trabalho, se provocada, poderá declarar a existência do vínculo de emprego entre o prestador e o tomador dos serviços.
*Advogado em Santo André, professor de Direito do Trabalho no Centro Universitário de São Caetano do Sul - IMES, Mestre e Doutorando pela PUC/SP.