domingo, 1 de abril de 2007

Morte no trânsito
Recolhimento da CNH é medida inconstitucional
por José Almeida Sobrinho
Em recente manifestação à imprensa, o Exmo. Sr. Ministro da Justiça divulgou o que seria futura aprovação pelo Contran (Conselho Nacional de Trânsito) de Resolução que determinará o recolhimento (apreensão) da Carteira Nacional de Habilitação de condutores envolvidos em acidentes de trânsito com vítimas fatais.Em que pese alegar S. Exa. que a medida é espelhada em procedimento adotado no Japão, onde o índice de acidentes com morte por número de condutores é consideravelmente menor que no Brasil, devemos lembrar que, mesmo antes de se adotar tal critério naquele país, ela já era prevista no antigo e superado Código Nacional de Trânsito (artigo 77) desde 1967, e sua aplicação era raríssima, uma vez que provocava situações de flagrante injustiça e freqüentemente era contestada em Juízo com amplo sucesso.Desde a discussão do atual Código de Trânsito Brasileiro, ainda enquanto Projeto de Lei por esses mesmos motivos, a prática foi excluída do texto, deixando-se sua aplicabilidade apenas para os casos de condenação judicial por prática de crime de trânsito (art. 160 § 2o) e ainda assim como faculdade, e não como obrigatoriedade por parte da autoridade de trânsito (fala-se agora em autoridade policial).É certo que pelo teor do próprio Código de Trânsito Brasileiro, ao Contran foram atribuídos poderes normativos, em certos casos, equivalentes ao do legislador, porém, jamais poderá aquele colegiado inovar o conteúdo do Código, ao qual deverá sempre estar subordinado e muito menos olvidar os princípios constitucionais que regem nossa República. No caso específico, o princípio da ampla defesa e do contraditório está sendo lesado ou burlado, através da aplicação de uma penalidade travestida em medida administrativa, prática arbitrária, digna do comportamento autoritário vigente no período da ditadura militar.O próprio Código de Trânsito Brasileiro já limita a ação discricionária na aplicação das medidas administrativas quando, no art. 269 § 1o , prevê sua aplicabilidade apenas e tão somente para proteção da vida e da incolumidade física da pessoa, o que não é o caso no tema aqui tratado.Casos concretos e perfeitamente imagináveis de imediato, podem demonstrar claramente a inconveniência da adoção desse procedimento, senão vejamos:a) Em um acidente de trânsito com vítima fatal, onde se envolvem dois veículos e apenas a um dos condutores for atribuída a culpa, a apreensão da CNH do condutor não condenado consistirá verdadeira punição sem culpa, uma vez que, durante o período em que tramitar o Inquérito Policial (que sabemos não é curto) estará esse condutor impedido de exercer sua atividade, não raro profissional, da qual depende seu sustento.b) Em caso de atropelamento onde a vítima, e exclusivamente ela, deu causa ao acidente, também seria punido o condutor inocente pela restrição ao seu direito de dirigir.c) Que dizer então dos acidentes de trânsito provocados por erro, omissão ou ação indevida de agentes, autoridades e administradores de vias, onde a culpa é exclusiva do poder público? Punir-se-ia as próprias vítimas do desvelo ou erro dos administradores?Podemos, pois, concluir com convicção que, a adoção do anunciado procedimento seria um desserviço ao ordenamento jurídico do país, contrariando a Lei (art. 269 § 2o do CTB) e até mesmo a Constituição Federal (art. 5o LIII e LVII) além de transformar em penalidade um ato que visa única e exclusivamente preservar a vida e a incolumidade física da pessoa.Infeliz a manifestação, equivocada a interpretação da norma e inadmissível a aprovação de postura tão arbitrária. Estamos certos que a anunciada novidade não prosperará perante os demais sete ministros componentes do Conselho e por conseqüência não terá aprovação do Contran.

Nenhum comentário: